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sexta-feira, 29 março, 2024

A Argentina sob o domínio de Mauricio Macri – Parte II

Paulo Emanuel Lopes
Adital

Nesta segunda parte da entrevista exclusiva concedida à Adital pelo jornalista e analista político Carlos Aznárez, diretor da revista Resumen Latinoamericano, seguimos com a abordagem da situação política argentina, tendo como viés a conjuntura que Mauricio Macri, recém-eleito presidente do país, deve enfrentar para continuar conduzindo seu governo sob esse modelo, parafraseando Aznárez, “despótico”.

A relação da Igreja Católica argentina com o presidente, por exemplo, apesar da aparência cordial, parece experimentar uma deterioração rápida, acredita Aznárez. “Por um lado, os padres dos bairros humildes já vêm manifestando seu rechaço às políticas neoliberais do presidente. Mas, além disso, alguns bispos vinculados a quem, hoje, é o Papa Francisco, também saíram a criticar […] Macri tem marcado um encontro [com o Papa] para os próximos dias, e veremos se Bergoglio deixará transparecer esse descontentamento que lhe transmitem, de forma direta, diferentes membros da Igreja [argentina]”.

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O “Grupo de Sacerdotes na Opção Preferencial pelos Pobres” durante realização de missa na Praça de Maio, em represália à prisão prolongada da ativista social Milagro Sala, detida desde o último dia 16 de janeiro. Foto: divulgação.

Aznárez credita ainda o sentimento de impunidade que parece viver o governo de Macri, protegido sob o véu de uma imprensa partidária, à coação política que a oposição vem sofrendo. No início deste mês de fevereiro, pelo menos 15 congressistas aliados do antigo governo migraram para o bloco governista, “alguns por promessas de serem catapultados a algum cargo de importância, outros por quererem distanciar-se da derrota sofrida”.

Apesar dos importantes apoios que já possuía e que vem agregando (nacionais e internacionais), Macri deve enfrentar uma forte resistência dos movimentos sociais populares, que trabalharão para impedir uma nova tentativa de desmantelar o Estado argentino. “As organizações populares e os movimentos sociais se preparam, também, para que a confrontação com o macrismo se dê nas ruas, levando em conta que o governo só possui uma massa de eleitores (que não são poucos), mas que isto não se traduz em militância mobilizada, e, sim, em votantes passivos”.

Para Aznárez, a resposta do governo, infelizmente, deve se materializar através da repressão, inclusive, com ajuda vinda do estrangeiro. “O presidente terá dois caminhos: ou começa a retroceder, fruto de um eventual descontentamento generalizado, ou aplica a receita repressiva em larga escala. Para este último, conta com uma ministra da Segurança imposta pela embaixada estadunidense e ligada ao sionismo, que já prometeu paus, gás e balas de borracha (por agora) a quem ponha os pés na rua”.

Adital: A Argentina ganhou as manchetes do mundo por duas novidades aparentemente contraditórias: o papado de Bergoglio e a chegada de Macri ao poder. O Grupo de Sacerdotes na Opção Preferencial pelos Pobres iniciou uma campanha aberta contra as atitudes do presidente, embora os setores progressistas sejam minoria na igreja católica argentina. Como está sendo e como deverá ser a relação entre a nova gestão da Casa Rosada e a Igreja argentina? E com o Papa?

As relações entre Macri e a Igreja têm suas particularidades. Por um lado, os padres dos bairros humildes já manifestaram seu rechaço às políticas neoliberais do presidente. Mas também alguns bispos, vinculados a quem, hoje, é o Papa Francisco, também saíram a criticar alguns sintomas da intolerância e prepotência oficiais. Entre eles, a detenção prolongada da militante social Milagro Sala, na Província de Jujuy, e também a incansável onda de demissão de trabalhadoras e trabalhadores.

No que diz respeito ao Papa, Macri tem marcado um encontro, para os próximos dias [27 de fevereiro], e lá veremos se Bergoglio deixa transparecer esse descontentamento que lhe transmitem, de forma direta, diferentes membros da Igreja.

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Mauricio Macri possui importantes apoios ao redor do mundo, como a banca financeira e os grandes conglomerados de comunicação. Foto: Reprodução.

Adital: A decisão do atual presidente argentino de adotar importantes ações via decretos “de necessidade e urgência” demonstra, em primeiro plano, que Macri não possui apoio político suficiente no Congresso Nacional. Mas parece demonstrar também que há, por parte de Macri, uma confiança muito grande na cobertura parcial da mídia nacional e internacional, embalada em transformá-lo em um modelo para a região. Na sua opinião, o que leva um presidente, em início de gestão, eleito por uma estreita margem, a tomar decisões tão impopulares e tão contraditórias, em tão pouco tempo?

Macri procede com total impunidade, mas, por sua vez, sabe que a maioria dos “decretos de necessidade e urgência” (DNU) não volta atrás. Para isso, conta com que a chamada oposição, da qual o kirchnerismo e o justicialismo são os braços mais importantes, começa a dividir-se, antes mesmo de que o Congresso se reúna. Isto se refere ao fato de que muitos “opositores” estão saltando para a direita oficialista, alguns por promessas de serem catapultados a algum cargo de importância, outros por quererem distanciar-se da derrota sofrida, da qual foram os principais protagonistas.

Por outro lado, cada uma das investidas macristas tem suscitado respostas nas ruas de setores populares, verdadeiras manifestações de resistência frente ao despotismo. Isto é importante porque com os aumentos de tarifas no serviço público e com a volta ao colégio e às universidades de milhares de estudantes (com o desgaste em que isto incorrerá), é possível prever que Macri não conseguirá lidar com tudo isso. O presidente terá, então, dois caminhos: ou começa a retroceder, fruto de um eventual descontentamento geral, ou aplica a receita repressiva em larga escala. Para este último conta com uma ministra da Segurança imposta pela embaixada estdunidense e ligada ao sionismo, que já prometeu paus, gás e balas de borracha (por agora) a quem ponha os pés na rua.

Adital: Despedida em massa de funcionários públicos de inspiração política contrária; perseguição a um jornalista-radialista opositor; prisão de Milagro Sala, ativista política opositora; mudanças legislativas via decreto para beneficiar determinado grupo de comunicação aliado; e a última, o ataque da Guarda Argentina contra pessoas inocentes, crianças inclusive, enquanto o governo tentou encobrir o ato desastroso. E estamos há dois meses de governo. Há uma clara intenção de implantar psicologicamente um “novo governo”, de desmontar o legado “Kirchner”, em especial em sua relação com os movimentos sociais organizados. Para conseguir essa desarticulação, qual caminho deve adotar Macri durante a sua gestão? Quais deverão ser seus próximos passos?

Tudo indica que o que começou em grande velocidade tende a continuar. O macrismo não tem deixado nenhum canto sem que seus assessores tenham metido o nariz, e, além de investir contra as trabalhadoras e trabalhadores estatais, gerar violência obsessiva e repressão contra os jovens e grupos militantes, também se propõe a premiar essa oligarquia que o acompanhou (acabando com as retenções aos setores sojeiros [da soja] e a quem esteja ligado à Sociedade Rural Argentina). Também, congratulando-se com as multinacionais mineiras, resolveu encerrar por completo as retenções à indústria mineira, beneficiando as empresas exportadoras desses metais em 3,3 bilhões de pesos [cerca de 222,67 milhões de dólares estadunidenses, ou 892 milhões de reais].

O macrismo é revanchista e, por isso, vem combatendo também toda uma simbologia proposta pelo governo anterior em matéria de direitos humanos. Insinua desconhecer o genocídio militar, questionando o número de desaparecidos e agredidos, e, ao mesmo tempo, faz movimentos em direção a uma eventual libertação dos militares que se encontram presos, por ter participado de crimes de lesa-humanidade.

O macrismo é “sino-americano”, já que aposta em relações carnais com o Estado Terrorista de Israel e mantém-se como um bom aliado de Washington, anunciando sua futura entrada na Aliança do Pacífico e também somando-se à onda desestabilizadora que vive diariamente o governo revolucionário da Venezuela.

O macrismo é, essencialmente, neoliberal, capitalista, amante das políticas de ajuste que resultam em maiores níveis inflacionários.

O macrismo detesta a informação objetiva acerca dos seus tropeços e, por isso, um de seus primeiros decretos foi atacando e desmantelando o conteúdo da muito progressista Lei de Meios. Leva, dessa maneira, a gerar um discurso único, que se propaga a partir dos meios [de comunicação] concentrados, que durante todo o governo dos Kirchner jogaram em favor da desestabilização.

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Trabalhadores argentinos protestam contra a onda de demissões. Foto: chicadelverano.com.ar

Adital: Em continuação à pergunta anterior, como deverá vir a resposta dos setores progressistas à escalada autoritária na Argentina?

Para a desgraça do macrismo, desde as primeiras horas em que o novo governo foi instaurado, começaram as ações de resistência popular. Algo que aumentou consideravelmente ao se divulgarem as listas de demissões nas empresas estatais e privadas. Hoje, pode-se dizer que não há um dia sem que se produza algum tipo de protesto, desde as típicas obstruções de vias, as manifestações e escraches*, até recitais massivos, onde músicos populares convocam milhares de jovens a não esquecerem o passado e a repudiarem as atuais políticas entreguistas.

No plano sindical, para além dos burocratas, há organizações de base e também duas centrais sindicais que estão dispostas a enfrentarem o macrismo, além do grêmio mais afetado pelas demissões, a Associação de Trabalhadores do Estado.

As organizações populares e os movimentos sociais se preparam também para que a confrontação com o macrismo se dê nas ruas, tendo em conta que o governo só possui uma massa de eleitores (que não são poucos), mas que isto não se traduz em militância mobilizada, e sim em votantes passivos.

É, precisamente, através dessa combinação de movimentos sociais, sindicalistas de base e organizações políticas combativas, nos quais a resistência haverá de posicionar-se nos próximos meses, levando em conta que tudo o que se faça este ano, em nível de pressão e encurralamento do novo governo, servirá para desgastar sua maquinaria e evitar, assim, que aspire a permanecer no poder além dos quatro anos que demarca a Constituição.

*Escraches são uma forma de protesto em que os indivíduos optam por manifestar-se em frente à casa ou local de trabalho da pessoa a quem se dirige a indignação.

Leia também: A Argentina sob domínio de Mauricio Macri – Parte I

Paulo Emanuel Lopes

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