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quinta-feira, 28 março, 2024

A Argentina de Macri, presidida pela lei do mercado, abole Ministérios fundamentais para a vida

Macri e seu governo (ou desgoverno) passaram dos limites da barbárie, dos ajustes padronizados de qualquer projeto neo-liberal. Acabam de decidir pela redução de mais da metade dos Ministérios que passam a ser Secretarias resultantes da fusão dos mesmos. Eliminam o Ministério da Saúde e o do Trabalho (ambos criados por Perón nos anos 46); Ciência e Tecnologia (criada por Cristina Fernandez de Kirchner);  o Ministério da Educação e o da Cultura (fundindo-as numa Secretaria); o da Agroindústria, Ambiente, Energia, Modernização e Turismo, etc… Abolir os Ministério da Saúde e do Trabalho significa retroceder às trevas da chamada “década infame” (1930-1940), decretar o extermínio de um povo e o fim de uma conquista básica do direito ao trabalho e das garantias trabalhistas concedidas por Perón quando transformou a Secretaria do Trabalho em Ministério do Trabalho e da Previdência.

Caracterizado pelo cinismo nos discursos e crueldade nas decisões, o presidente empresário e o seu governo de financistas, alegam ser o principal problema do país, o tal do “déficit fiscal” e estabelecem a meta de levá-lo a zero, através do corte dos gastos públicos do Estado, às custas da vida dos trabalhadores e aposentados, deixando intacto os setores concentrados (financeiros, exportadores e energéticos) favorecidos por suas medidas, que levaram o país a um endividamento de cerca de 150 bilhões de dólares nos últimos 2 anos e meio: começando por ceder aos Fundos abutres, aos exportadores agropecuários (desobrigados das retenções, e liberados a deixar no exterior os dólares ganhos, enquanto as reservas do Banco Central se reduzem a 16 bilhões de dólares, a dívida externa sobe a 80% do PBI, e este, cai à metade em 5 meses); aos financistas investidores e credores-saqueadores internacionais, que entram e fogem com os capitais, com total liberdade, ao ritmo do dólar flutuante, e juros de 60%.

A recente medida de Macri obrigando retenções parciais às exportações de soja, milho e trigo, de 4 pesos por dólar, torna-se um engodo demagógico, diante de um dólar ascendente. Enquanto isso, a indústria nacional (calçados, fiação entre outras) – enfrentando um insustentável custo de produção (tarifaços de energia), impostos, juros bancários enlouquecidos, importação concorrencial ilimitada, consumo zero (de uma população empobrecida) – termina quebrando-se e demitindo trabalhadores. Numa economia dolarizada como na Argentina, a desvalorização da moeda local (o dólar beira 39 pesos) se traslada imediatamente ao aumento dos preços dos produtos de consumo, alimentos, roupas, medicamentos, gasolina (transportes) e energia (tarifaços). Enfim, o cerco é total com uma inflação que superará 40,7%  no final do ano, segundo o Banco Central. O dólar sobe, a inflação galopa e quem paga é o povo, a pequena e média indústria, a agricultura familiar, o comerciante e a classe média empobrecida.

A crise de governo na semana passada no bojo desta enorme pressão do chamado mercado financeiro internacional, levou à troca de algumas figuras não decisivas para o modelo neoliberal do governo; resumiu-se em concentrar e acelerar decisões para arrochar e responder às cobranças de pagamento da dívida com o FMI. Não trouxe nenhum projeto de ativação da economia e de resposta às demandas sociais, ao contrário, tomou decisões de brutal destruição do Estado com a eliminação de Ministérios vitais para a sociedade. Tal descalabro foi gravado no anúncio de Macri à nação, em que admite que a Argentina passa por uma grave crise (quando há um mês atrás dizia que “o pior já havia passado”), atribuindo-a à situação internacional (tirando o seu corpo fora), à “corrupção do governo anterior” e aos “Cadernos”, como era de se esperar.  Isto confirma que os “Cadernos” foram criados para justificar e encobrir as atrocidades dos cortes públicos. No dia seguinte, o ministro das finanças, Dujovne, viajava de joelhos aos EUA, para negociar a dívida com o FMI, enquanto Macri chamava Trump por telefone em busca de apoio. A demora em haver uma resposta, demonstra a grande desconfiança dos credores (como tem alertado o próprio Wall Street) num país à beira da quebra total, e além de tudo, com um indigesto ingrediente adicional: um movimento social argentino organizado disposto a reverter tal situação contra os algozes do FMI.

O outro lado da moeda argentina no qual o FMI não confia

Na promessa quase desesperada ao FMI de pagamentos da dívida, entre apelos por extensão de prazos e novos empréstimos (para pagar os juros da dívida, não para investimentos produtivos), Macri oferece como garantia a manutenção do mesmo establishment dos Ministérios da Segurança Pública, Defesa e Interior, que tem atuado na linha dura contra as mobilizações opositoras, desde o caso do desaparecimento de Santiago Maldonado ao submarino Ara San Juan.  Arrochos neoliberais requerem repressão.

Neste casamento da Argentina com o FMI, o desemprego galopa sem limites, abunda a fome nos 13% da população em pobreza extrema; as famílias não chegam ao fim do mês, a carne e o pão viraram artigos de luxo; 2 em cada 10 crianças passam fome, e nos “refeitórios populares” triplica-se a demanda e escasseia a comida antes fornecida pelo Ministério de Desenvolvimento Social, e hoje provida pela solidariedade cidadã, ou pelos “padres pelos pobres”; jovens, sem condições de fazer fotocópias ou pagar bilhete de ônibus, renunciam à Universidade. Nesta nova Grécia, não é de se surpreender que ressurjam saqueios espontâneos de supermercados. Vítima de conflitos por emergência alimentar, Ismael Ramírez, uma criança de 13 anos, foi morta com uma bala no peito na porta de um supermercado num bairro humilde da província de Chaco.  A tragédia criou comoção popular e rechaço às declarações da ministra Patricia Bullrich que acusou dirigentes políticos do kirchnerismo como instigadores dos saqueios através das redes do whatsapp. Disse: “buscam gerar uma guerra de guerrilhas para gerar incertezas”. Dois deputados da Unidade Cidadã, Leopoldo Moreau e Rodolfo Tailhade solicitam à ministra esclarecimentos frente ao Congresso sobre tais insinuações de caráter provocatório.

O outro lado da moeda argentina desvalorizada, é de ouro, brilha, faz ruído e preocupa o FMI: o movimento social organizado, sindicatos, comitês de fábrica, universidades, escolas e bairros, que têm memória e vêem em Cristina Kirchner e no peronismo kirchnerista a esperança da retomada da dignidade do povo argentino.  Não há guerrilhas, sequer no seio dos Mapuches, como o governo insinuou. Há, sim, movimento de massas, órgãos populares, com raízes no peronismo que estão todos os dias nas ruas para impedir a destruição do FMI e recuperar o projeto nacional e popular.

É difícil até enumerar tudo o que a mídia hegemônica ocultou nesta semana. •Manifestações dos trabalhadores do Ministério da Agro-Indústria, responsável pela pequena agricultura familiar; em fase de extinção, totalizará 900 demissões, para reduzir-se a uma Secretaria, e viabilizar a privatização do campo pelo agronegócio. •Manifestação diante do Ministério da Saúde contra a sua extinção e a eliminação de serviços de prevenção (vacinas para meningite, Aids, etc…).  •Manifestação multitudinária com apoio de todas as Centrais Sindicais contra os cortes nas universidades públicas e no Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas), pelas paritárias nacionais dos professores equiparando aumento salarial à inflação. •Greve geral dos professores e manifestação convocada pelas Centrais sindicais de todas as categorias do ensino público no dia próximo dia 13.  •Manifestação dos trabalhadores da imprensa da TELAM reincorporados parcialmente (115 dos 357) graças à persistente luta sindical a continuar até a readmissão total. •Cidade de Rosário com 13% de desemprego: greve de todo o cordão industrial da cidade dirigida pela organização multi-setorial contra os tarifaços impagáveis de energia e transporte •Reunião de prefeitos e dirigentes sindicais (CGT, CTA dos Trabalhadores e a Frente Sindical para o Novo Modelo Nacional) para impedir os anunciados cortes de subsídios federais aos governos estaduais (províncias) e evitar uma crise social incontrolável nos municípios.

Enfim, no bojo deste clima, surge também o pedido à imputação do presidente Macri, por iniciativa do deputado Claudio Losano, apoiado pelo promotor Di Lello. A ação penal incluiria Macri, o chefe de Gabinete (Marcos Peña), o ministro da Economia (Dujovne) e o presidente do Banco Central (Luís Caputo) por delito de abuso de poder e por não haver consultado o Congresso antes da assinatura dos acordos com o FMI. Não é previsível se o Judiciário cumprirá com o seu dever. A determinação com que se movem os tentáculos do polvo do “lawfare” das Finanças internacionais no Brasil movidos pelo partido Judicial do STE-STF, ao ultimar o golpe, rasgar a Constituição e os Pactos com a ONU, deixa poucas expectativas aos irmãos argentinos. Um Judiciário conivente com a participação da direita militar em vestes “democráticas” numa eleição fraudulenta, excluindo o candidato e líder popular, Lula da Silva, deixa elementos preocupantes. Avança na Argentina a farsa dos “Cadernos”, com investidas do Juiz Bonadio para cassar o mandato e prender a senadora e ex-presidenta Cristina Kirchner, tirá-la do páreo de 2019 e impedir a sua liderança social neste país colapsado.  Impedir Lula, o candidato de maior chance nas eleições, mantê-lo preso inocente e sem habeas corpus, é a maior facada na democracia brasileira instigada pelos grandes meios de comunicação. Há “cadernos” e “facadas” que ocupam o tempo todo as telas de TV para encobrir os verdadeiros problemas e soluções para o país.  E soluções sociais e de soberania nacional são experiências encarnadas por lideranças como Lula da Silva e Cristina Kirchner. Invisibilizar Lula da Silva nestes dias prévios à definição da sua candidatura é um atentado midiático à democracia.

Mas, a Argentina, tem o outro lado da moeda que vale ouro e  resiste. Os sindicatos vão rumo a uma greve geral e a uma manifestação massiva em todo o país, no dia 25 de setembro contra o tsunami neo-liberal do FMI e do governo Macri, selando uma frente fundamental das Centrais Sindicais combativas, abrindo um amplo leque de movimentos sociais e forças políticas e produtivas do peronismo popular e da Unidade Cidadã.

Brasil 247

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