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quinta-feira, 28 março, 2024

A agricultura convencional mata o solo

Quando a tecnociência vê um pixel, mas ignora a paisagem. A agricultura convencional mata o solo. Entrevista com Antonio Donato Nobre
 IHU – Unisinos
Adital

“Mais importante do que ser multidisciplinar é ser não-disciplinar, isto é, integrar e dissolver as “disciplinas” em um saber amplo e articulado, sem fronteiras artificiais e domínios de egos”, afirma o cientista do CCST/Inpe.

Por João Vitor Santos

O conhecimento científico não pode cegar a complexa relação entre os inúmeros ecossistemas presentes no planeta. “Tal abordagem gera soluções autistas que não se comunicam, tumores exuberantes cuja expansão danifica tudo que está em volta. Assim, a tecnociência olha o mundo com um microscópio grudado em seus olhos, vê pixel, mas ignora a paisagem”, afirma Antonio Donato Nobre, cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – CCST/Inpe.

“A maior parte da agricultura tecnificada adotada pelo agronegócio é pobre em relação à complexidade natural. Ela elimina de saída a capacidade dos organismos manejados de interferir beneficamente no ambiente, introduzindo desequilíbrios e produzindo danos em muitos níveis”, analisa, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Para Nobre, a saída não é abandonar a ciência e a tecnologia produtiva de alimentos, mas sim associá-las e integrá-las a sistemas complexos de vidas em ecossistemas do Planeta. É entender, por exemplo, que a criação de áreas de plantio e produção agropecuária impactarão na chamada “equação do clima”. “É preciso remover os microscópios dos olhos, olhar o conjunto, perceber as conexões e, assim, aplicar o conhecimento de forma sábia e benéfica”, aponta.

Antonio Donato Nobre é cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – CCST/Inpe, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, lançado no final de 2014.

Tem atuado na divulgação e popularização da ciência, em temas como a Bomba biótica de umidade e sua importância para a valorização das grandes florestas, e os Rios Aéreos de vapor, que transferem umidade da Amazônia para as regiões produtivas do Brasil.

Foi relator nos estudos sobre o Código Florestal promovidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e Academia Brasileira de Ciências. Possui graduação em Agronomia pela Universidade de São Paulo, mestrado em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e é PhD em Earth System Sciences (Biogeochemistry) pela University of New Hampshire.

Atualmente é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e pesquisador Visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Confira alguns trechos da entrevista.

IHU On-Line – Quais os impactos da produção agrícola nas mudanças climáticas? Quais os riscos que o modelo do agronegócio (baseado nas grandes propriedades e produção em larga escala de uma só cultura por vez) representa?

Antonio Donato Nobre- A ocupação desordenada das paisagens produz pesados impactos no funcionamento do sistema de suporte à vida na Terra. A expansão das atividades agrícolas — quase sempre associada à devastação das florestas que têm maior importância na regulação climática — tem consequências que se fazem sentir cada vez mais, e serão devastadoras se não mudarmos a prática da agricultura.

A natureza, ao longo de bilhões de anos, evoluiu um sofisticadíssimo sistema vivo de condicionamento do conforto ambiental. Biodiversidade é o outro nome para competência tecnológica na regulação climática. A maior parte da agricultura tecnificada adotada pelo agronegócio é pobre em relação à complexidade natural. Ela elimina de saída a capacidade dos organismos manejados de interferir beneficamente no ambiente, introduzindo desequilíbrios e produzindo danos em muitos níveis.

IHU On-Line – Como aliar agricultura e pecuária à preservação de florestas e outros ecossistemas? Como o novo Código Florestal brasileiro se insere nesse contexto?

Antonio Donato Nobre- Extensa literatura científica mostra muitos caminhos para unir com vantagens agricultura, criação de animais e a preservação das florestas e de outros importantes ecossistemas. Esse conhecimento disponível assevera não haver conflito legítimo entre proteção dos ecossistemas e produção agrícola. Muito ao contrário, a melhor ciência demonstra a dependência umbilical da agricultura aos serviços ambientais providos pelos ecossistemas nativos.

Em 2012, contrariando a vontade da sociedade, o congresso revogou o código florestal de 1965. A introdução de uma nova lei florestal lasciva e juridicamente confusa já está produzindo efeitos danosos, como aumentos intoleráveis no desmatamento e a eliminação da exigência, ou o estímulo à procrastinação, no que se refere à recuperação de áreas degradadas. Mas a proteção e recuperação de florestas tem direto impacto sobre o regime de chuvas.

Incrível, portanto, que a agricultura, atividade que primeiro sofrerá com o clima inóspito que já bate às portas do Brasil, tenha sido justamente aquela que destruiu e continua destruindo os ecossistemas produtores de clima amigo. Enquanto estiver em vigor essa irresponsável e inconstitucional nova lei florestal, a degradação ambiental somente vai piorar.

IHU On-Line – De que forma o conhecimento mais detalhado sobre as formas de vida, e a relação entre elas, em florestas, como a amazônica, pode inspirar formas mais eficientes de produção de alimentos e, ao mesmo tempo, minimizar impactos ambientais?

Antonio Donato Nobre- A biomimética é uma nova área da tecnologia que copia e adapta soluções engenhosas encontradas pelos organismos para resolver desafios existenciais. Janine Benyus, a pioneira popularizadora desse saber, antes ignorado, costuma dizer que os designs encontrados na natureza são resultados de 3,8 bilhões de anos de evolução tecnológica. Durante esse tempo, somente subsistiram soluções efetivas e eficazes, que de saída determinaram a superioridade da tecnologia natural.

Ora, a agricultura precisa redescobrir a potência sustentável e produtiva que é o manejo inteligente de agroecossistemas inspirados nos ecossistemas naturais, ao invés de se divorciar deste vasto campo de conhecimento e soluções, como fez com seus agrossistemas empobrecidos, envenenados e que exploram organismos geneticamente aberrantes.

Veja a entrevista completa no site do IHU.

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